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Crônica de uma tragédia anunciada
Construir casas e estabelecimentos comerciais em cima de áreas de proteção permanente (APPs). Avançar construções sobre dunas e áreas de restinga próximas à areia da praia. Criar molhes e fazer enroncamentos sem estudo de impacto ambiental. Com um enredo recheado de atropelos à legislação ambiental e desrespeito à natureza somados à falta de fiscalização e ação dos órgãos públicos responsáveis, os últimos 30 anos de Florianópolis foram escritos para que a história terminasse em tragédia.
Não é de hoje que a natureza tem respondido à ação do homem. No caso das praias de Florianópolis, o processo foi intensificado nos últimos meses pelas consecutivas e cada vez maiores ressacas que atingiram o litoral catarinense em abril e maio. Desde março o jornal Notícias do Dia tem dado diariamente atenção especial ao assunto, e no conjunto de fotos e matérias que foram publicadas é possível ver que as imagens chocantes das últimas semanas poderiam ter sido evitadas – com menos dinheiro do que está sendo gasto atualmente de forma emergencial.
O presidente da Associação dos Pescadores Artesanais da Armação, Fernando Sabino, apresentou as dificuldades com a erosão da praia e o açoreamento do rio Quincas, que causa enchente e afeta a comunidade. “Ficou mais raso onde fica o ancoradouro. O local tinha seis metros de profundidade e agora tem dois (…)” escreveu a jornalista Roberta Kremer na página oito. Na mesma matéria foi citado o projeto do Deinfra (Departamento Estadual de Infraestrutura) de 1999 que apontava como uma das soluções o engordamento da praia com a areia retirada do desaçoreamento do canal, iniciativa orçada em R$ 2 milhões. Hoje, cinco vezes o valor está sendo utilizado nas obras emergenciais.
Da frente da casa do juiz aposentado Valdomiro Simões o fotógrafo Edu Cavalcanti fez a capa da edição de final de semana do jornal Notícias do Dia (17 e 18 de abril), que trazia um especial de duas páginas sobre a praia da Armação do Pântano do Sul. Depois de perder quatro metros de faixa de areia por ano desde 2001, a praia praticamente desapareceu com a ressaca daquela semana.
Na matéria da jornalista Aline Rebequi, o doutor em engenharia oceânica e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí) João Luiz de Carvalho avaliava a gravidade dos estragos através de uma imagem via satélite: “Nota-se uma erosão profunda no mar e um molhe que não poderia ter sido construído. Possivelmente não houve uma pesquisa na área para tanto, nem para ele, nem para a construção das moradias presentes na orla. (…) As casas estão em cima das dunas, e o local onde as ondas deveriam circular foi barrado pelas pedras do molhe.”
No dia 18 de maio, exato um mês após o especial do jornal, a moradora Olga Gomes da Rosa, 46 anos, lamentava: “o mar avança minuto a minuto e acredito que, quando a prefeitura tomar uma providência, será tarde demais”. Mesmo investindo R$ 16 mil em 52 caminhões de pedra para evitar o desabamento, sete dias depois Olga foi obrigada a abandonar sua casa. No verão ela alugava quartos por R$ 500 a diária, renda com a qual sustentava a família. Segundo seu irmão Gesiel Gomes, que no dia seguinte retirava o que ainda era possível aproveitar, o prejuízo da proprietária foi de R$ 700 mil.
Enquanto Gesiel trabalhava, o prefeito de Florianópolis Dário Berger visitava o que havia sobrado do imóvel no final da servidão João Jorge. A casa de Olga foi capa do Notícias do Dia de 27 de maio e estampou as duas páginas sobre o desastre. Foram necessárias a destruição de 12 casas e a interdição de outras 30 para que fosse decretado estado de emergência na praia da Armação.
Antes da homologação do decreto emergencial, até o exército foi convocado para combater a ressaca. No dia 21, soldados espalharam cerca de 5 mil sacos de areia numa faixa de aproximadamente 150 metros da praia. A previsão feita pelo capitão Marcus Rachid, engenheiro do Exército, para a repórter do Notícias do Dia Maiara Gonçalves mostrou-se correta: “o muro de contenção é emergencial e capaz de conter as ondas pelo menos até a próxima semana”.
Três dias depois, cerca de 150 moradores da Armação do Pântano do Sul protestaram em frente à Assembleia Legislativa do estado (Alesc) exigindo providências das autoridades para deter o avanço do mar sobre as casas do balneário.
Com as seguidas ressacas e a inoperância do poder público, o pânico tomou conta dos moradores do bairro. Mesmo impedidos pela Polícia Ambiental, muitos insistiam na colocação de pedras ao longa da orla, numa tentativa de barrar a destruição dos imóveis à beira da praia.
A jornalista do Notícias do Dia Mônica Foltran consultou uma especialista que contestava a ação ilegal dos moradores. Para a professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Janete Abreu, geógrafa especialista em geomorfologia costeira, o enroncamento (proteção da orla com uma barreira de pedras) feito na praia na tentativa de diminuir a erosão “tem mais efeitos impactantes negativos do que positivos. As ondas quebram nas pedras e acabam refletindo a energia e voltando com mais força para o mar”.
Se 1/5 desse valor fosse investido há 11 anos no projeto do Deinfra, a Armação do Pântano do Sul ainda hoje seria uma praia com faixa de areia e balneabilidade. Com o enrocamento de quase dois quilômetros que está sendo construído, em breve o sul da ilha ganhará sua avenida Beira-mar.